Poder, status ou autenticidade



Há pouco estava assistindo uma série muito interessante sobre o início da sociedade de Nova York, de como as pessoas se sobressaíam e moldavam parâmetros para ascensão e decadência social conforme suas conveniências e anseios. Em nada diferente do que conhecemos aqui, em nossa cidade, ao nosso redor, em nosso meio, no país em que vivemos ou no mundo inteiro.

É sabido que, desde que o ser humano vive em sociedade foram criadas regras para emoldurar comportamentos, padronizando as ideias, suprimindo a animalidade e  dando origem à ética, à moral e aos bons costumes. Baseado nesse contexto me peguei absorta em pensamentos sobre originalidade, autenticidade, verdades humanas e procurando no inconsciente o grande vilão e ao mesmo tempo o desesperado pedido de socorro e salvação para a liberdade. Biologicamente somos formados a partir de uma primeira parte constituinte de nosso cérebro chamado sistema reptiliano, o mesmo responsável por ataque e defesa dos animais classificados como répteis, porém, com a evolução da nossa espécie, nossa caixa craniana aumentou de tamanho devido à alimentação (de catadores, coletores e caçadores nômades para agricultores e trabalhadores territorialistas em grandes agrupamentos e tribos) e, assim, nosso cérebro também evoluiu até chegar ao nosso atual sistema cognitivo.

Mas há algo que me pergunto constantemente e ainda não consegui encontrar uma linha de pensamento que pudesse me levar à alguma conclusão sobre o que o ser humano é capaz de fazer para conquistar além do que necessita para viver e sobreviver, sobre a ganância por poder e status, de querer sempre se sobressair em meio à multidão, de não somente ser reconhecido, mas sim, idolatrado. Poder? Talvez esse seja o nome do que provoca uma sensação de invencível, de dono de tudo, e status, que, por sua vez, o coloca em um conceito melhor que o do “resto” do mundo.

Já observei em muitas experiências vividas que as pessoas são capazes de alterar o futuro de gerações por acharem que estão acima da verdade, por pensarem que conceitos e preconceitos sociais determinam sua prosperidade ou ruína. Já vi mães mentirem sobre seus filhos e filhos de seus maridos, pais subornarem pessoas simples para manterem as aparências, filhos prejudicarem os filhos dos outros para não assumirem suas culpas e consequências, homens e mulheres roubando uns dos outros o que na verdade deveria ser dividido, casamentos e relações degradados pelas pessoas encobrirem  suas sexualidades, abusos, enganos, julgamentos, falta de caráter, de honestidade, de escrúpulos, vidas desviadas e mortes, tudo em busca de um lugar ao qual não pertencem e nem nunca pertencerão pelo simples fato de esse lugar não existir. Não há espaço para esse lugar na alma humana, pois a alma vive de verdades, de autenticidade, de honestidade, de empatia. Isso não quer dizer que devemos baixar a cabeça, não, bem pelo contrário, isso nos coloca em uma posição de dignidade, pois é para poucos que a coragem de ser autêntico revela a pureza de caráter. É para poucos que “dar a outra face” significa mostrar que as pessoas não devem invadir seus limites ou sofrerão as consequências dos próprios atos.

Tem uma frase que ilustra bem o pensamento das pessoas que “acham” que são portadoras de poder ou status. É tipicamente característico quando ao ser abordado por um “indivíduo comum” a pessoa perguntar: “você sabe com quem está falando?” E sim, quando isso ocorre eu sempre sei. Sei que estou falando com uma criatura que necessita aprender muito, pois está muito longe de entender o seu significado.

Não sei se acontece com vocês meus queridos, mas comigo sim, tem momentos (e a vida é feita deles) em que sinto uma profunda felicidade, plenitude, autorrealização, amor e paz. Esses momentos geralmente são os mais simples, quando não tem ninguém para me aplaudir, às vezes diante de um espelho e de cara limpa, sem maquiagem, descabelada, com cara de louca e sorrindo, em outras simplesmente acontecem do nada, por nada, somente por existir, mas sim, são sentimentos que emergem puramente do momento, e me fazem sentir um ser incrível, dona de uma condição inigualável, superior a de muitas ocasiões pomposas e cheias de elogios interesseiros, são momentos de encontros com minha própria essência, meu eu absoluto, verdadeiro, autentico, original, onde não preciso nada em minhas mãos para perceber que tenho tudo. Essa sensação é indescritível. 

E daí eu me pergunto o porquê do ser humano ser tão infeliz, tão desonesto ao ponto de prejudicar multidões quando possui um pouco de poder, por querer privilégios que deveriam ser de todas as pessoas. E isso não é estranho a ninguém, pois, adoramos passar na frente das filas, ensinar aos nossos filhos a não levarem os brinquedos bons na escola, pois, terão que dividir com os colegas, utilizar “mentirinhas brancas” para não nos incomodarmos, ou então mentir sobre o que não temos para termos o que não fará diferença nenhuma no nosso final, deixar de perguntar o nome das pessoas que nos servem todos os dias em supermercados, restaurantes, postos de gasolina, varrendo e limpando o chão onde pisamos, cuspimos e levamos nossos animais para utilizarem como banheiro  considerando-as indignas ou simplesmente meros trabalhadores a quem “fizemos o favor” de utilizar o serviço, pois, se não usássemos ou frequentássemos esses locais eles não teriam seus empregos e seriam mais um entre milhões de desprovidos de status e poder, pobres e miseráveis.

Por que não podemos ser felizes sem tantas máscaras? Sem querer ser o que não somos? Sem julgar as pessoas não se dando conta que julgamos pelo que nós mesmos somos ou faríamos se estivéssemos no lugar delas? Meros tolos e imbecis que somos quando as pessoas nos respeitam pelo que representamos e não pelo que realmente somos quando ninguém nos vê. Que dificuldade imensa nós temos de falar a verdade, de dizer que não gostamos, que não queremos, que fizemos mal a alguém e queremos reparar o erro, de dizer o que realmente nos é verdadeiro e ouvir as verdades a nosso respeito sem julgar e punir quem tem a coragem de nos dizer o que bajuladores, falsos parentes, amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos jamais diriam em nossa presença.

Que tal experimentarmos a verdade ao menos uma vez na vida? Minha sugestão é começar já, nesse instante, com quem estiver mais próximo a nós. Olhar nos olhos e contar um dos nossos erros ou a quem prejudicamos assumindo as consequências e não nos sentindo inferiores por sermos verdadeiros, contar uma de nossas dores e o quanto queremos nos curar, ou nos vingar (isso não é feio) de quem nos prejudicou. Que tal restituir de alguma forma o direito que tiramos ou que nos foi tirado puramente reparando a causa com a única coisa digna dos seres humanos, a Verdade?

Que tal sermos uma vez felizes só por sermos autênticos?

Olhar Daqui RS, um caminho aberto à procura de respostas sobre a vida.


Carla Augusta Thomaz
Psicanalista

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