Em um dia de 1974, o ex-presidente Getúlio Vargas foi levado a julgamento. Não em um tribunal oficial, mas em um júri simulado em uma sala de aula de uma escola de Toledo, no Paraná, destinado a avaliar a conduta do antigo líder à frente do país.
Em defesa de Getúlio, o aluno Luiz Carlos Schroeder destacou inovações na legislação trabalhista e a criação de estatais como a Petrobras. No papel de acusador, estava um colega visto como promissor chamado Luiz Edson Fachin.
"Getúlio instituiu uma ditadura, que promoveu prisões políticas", argumentou o promotor de faz de conta adolescente.
Fachin garantiu a condenação fictícia de Vargas por quatro votos a três e estreou no universo do Direito com um desempenho que prenunciava o futuro. Meio século depois, em cerimônia marcada para esta segunda-feira (29), em Brasília, o gaúcho de Rondinha de 67 anos assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a expectativa de uma gestão marcada por um perfil pessoal discreto, pela defesa da democracia e pelo foco em temas trabalhistas e de direitos humanos.
"Ele tem um perfil muito discreto, não é uma pessoa de declarações. Mas é muito firme e não foge de questões polêmicas", avalia Schroeder, que manteve a amizade com o ministro do STF ao longo dos anos e estará presente na posse do ex-colega de colégio e de universidade nesta segunda.
Em defesa de Getúlio, o aluno Luiz Carlos Schroeder destacou inovações na legislação trabalhista e a criação de estatais como a Petrobras. No papel de acusador, estava um colega visto como promissor chamado Luiz Edson Fachin.
"Getúlio instituiu uma ditadura, que promoveu prisões políticas", argumentou o promotor de faz de conta adolescente.
Fachin garantiu a condenação fictícia de Vargas por quatro votos a três e estreou no universo do Direito com um desempenho que prenunciava o futuro. Meio século depois, em cerimônia marcada para esta segunda-feira (29), em Brasília, o gaúcho de Rondinha de 67 anos assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a expectativa de uma gestão marcada por um perfil pessoal discreto, pela defesa da democracia e pelo foco em temas trabalhistas e de direitos humanos.
"Ele tem um perfil muito discreto, não é uma pessoa de declarações. Mas é muito firme e não foge de questões polêmicas", avalia Schroeder, que manteve a amizade com o ministro do STF ao longo dos anos e estará presente na posse do ex-colega de colégio e de universidade nesta segunda.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, acredita que a posse de Fachin deverá sinalizar uma mudança de postura no órgão máximo do Judiciário brasileiro:
"É uma pessoa extremamente preparada, séria, que tem uma preocupação social grande. Mas é um ministro muito circunspecto, e acho que dará ao tribunal uma direção de aparecer menos fora dos autos. Deverá trazer mais institucionalidade ao Supremo."
O advogado avalia que essa guinada não deve ocorrer apenas pelas características do novo presidente, cujo mandato se estenderá até 2027, mas também pelo atual cenário político nacional.
"Embora seja um poder conservador, foi o que permitiu não ter um golpe. Passado esse risco, com a prisão dos golpistas, é hora de trazer realmente uma maior tranquilidade para o tribunal, e acho que o Fachin se adequa perfeitamente a uma maior circunspecção", avalia Kakay.
"É uma pessoa extremamente preparada, séria, que tem uma preocupação social grande. Mas é um ministro muito circunspecto, e acho que dará ao tribunal uma direção de aparecer menos fora dos autos. Deverá trazer mais institucionalidade ao Supremo."
O advogado avalia que essa guinada não deve ocorrer apenas pelas características do novo presidente, cujo mandato se estenderá até 2027, mas também pelo atual cenário político nacional.
"Embora seja um poder conservador, foi o que permitiu não ter um golpe. Passado esse risco, com a prisão dos golpistas, é hora de trazer realmente uma maior tranquilidade para o tribunal, e acho que o Fachin se adequa perfeitamente a uma maior circunspecção", avalia Kakay.
Postura favorável a trabalhadores
Como cada ministro que assume a presidência da Corte costuma se desvencilhar da relatoria de parte dos processos para assumir outras responsabilidades, Fachin deixará a supervisão de uma centena de ações ligadas à Operação Lava Jato, conforme o jornal Folha de S.Paulo. A decisão de quais litígios manterá para si ajuda a vislumbrar algumas das prioridades do ministro à frente do Supremo.
No Anuário da Justiça do Brasil 2025, publicação da plataforma Consultor Jurídico que analisa a atuação dos magistrados, o gaúcho radicado desde a infância no Paraná é descrito como "defensor dos trabalhadores" por se mostrar como uma voz determinada em "defesa da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Justiça do Trabalho". Por isso, por exemplo, decidiu manter consigo a relatoria do processo sobre "uberização" — que discute se há vínculo empregatício entre motoristas e plataformas como a Uber — e marcar o julgamento da causa para sua primeira semana na presidência.
A decisão de manter ações envolvendo povos indígenas e questões territoriais, como a discussão sobre o marco temporal (lei aprovada pelo Congresso que limita reivindicação de terras), tem relação com o passado profissional do ministro. Nos anos 1980, atuou como procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e procurador jurídico do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Estado do Paraná.
"Ele foi uma das pessoas que ajudou a fazer o planejamento dos primeiros assentamentos da reforma agrária no Brasil no período pós-ditadura", complementa Schroeder, juiz do trabalho aposentado, filho e neto de gaúchos, que hoje vive em Porto Alegre.
"Ele foi uma das pessoas que ajudou a fazer o planejamento dos primeiros assentamentos da reforma agrária no Brasil no período pós-ditadura", complementa Schroeder, juiz do trabalho aposentado, filho e neto de gaúchos, que hoje vive em Porto Alegre.
A vinculação aos direitos humanos também tem raízes na juventude de Fachin, que foi nomeado para o STF em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. Schroeder recorda que, durante o período em que ambos estudavam no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, o colega costumava acompanhar padres em visita a presos políticos do regime militar.
"Ele sempre foi muito próximo da Igreja Católica, dos setores progressistas da Igreja, e os padres tinham essa maior facilidade de entrar nos presídios, ele acompanhava", conta o juiz aposentado.
"Ele sempre foi muito próximo da Igreja Católica, dos setores progressistas da Igreja, e os padres tinham essa maior facilidade de entrar nos presídios, ele acompanhava", conta o juiz aposentado.
O novo presidente do STF também se manteve como relator de processos relacionados à superlotação de presídios e imposição de corte de cabelo e barba a despeito de convicções religiosas, por exemplo. Além disso, desde 2022, acompanha o plano do governo estadual do Rio de Janeiro para reduzir a letalidade policial. Em uma manifestação conjunta dos 11 ministros, neste ano, também apontaram omissão parcial do Estado e violação dos direitos humanos por parte de organizações criminosas, como restrições ao direito de ir e vir da população.
Em relação à postura mais garantista ou punitivista (conforme a maior ou menor prioridade dada aos eventuais direitos dos réus, respectivamente) em que costumam se dividir os magistrados, Fachin tende a ser mais associado ao primeiro grupo — mas essa não é uma classificação simples de ser feita. Conforme levantamento do Anuário da Justiça de 2025, o gaúcho foi o ministro da corte que mais concedeu habeas corpus nos últimos três anos. Em 2024, de um total de 1.133 habeas julgados, ele concedeu a liberdade em 11% dos casos. Em segundo lugar aparece Gilmar Mendes, com 9%.
Porém, como relator dos processos relativos à Lava Jato, recebeu críticas de setores à esquerda por respaldar decisões do ex-juiz Sergio Moro e negar pedidos da defesa do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Votou contra o habeas solicitado pelo então advogado de Lula, Cristiano Zanin — hoje colega de toga. Foi favorável à manutenção da condução coercitiva e da prisão após condenação em segunda instância, dois mecanismos que acabariam sendo considerados inconstitucionais pelo STF posteriormente. Mais tarde, quando vieram à tona denúncias de conluio entre Moro e procuradores, acabou por anular as condenações de Lula referentes à Lava Jato.
Porém, como relator dos processos relativos à Lava Jato, recebeu críticas de setores à esquerda por respaldar decisões do ex-juiz Sergio Moro e negar pedidos da defesa do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Votou contra o habeas solicitado pelo então advogado de Lula, Cristiano Zanin — hoje colega de toga. Foi favorável à manutenção da condução coercitiva e da prisão após condenação em segunda instância, dois mecanismos que acabariam sendo considerados inconstitucionais pelo STF posteriormente. Mais tarde, quando vieram à tona denúncias de conluio entre Moro e procuradores, acabou por anular as condenações de Lula referentes à Lava Jato.
Para o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Cristiano Vilhalba Flores, a expectativa do mandato de Edson Fachin é bastante positiva.
"Além de ser um dos nossos grandes constitucionalistas e um dos operadores do Direito mais importantes das últimas décadas, é uma pessoa de trato fácil, muito dedicada a questões relativas a direitos humanos. Acredito que teremos um grande presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça", afirma Flores, lembrando que a mesma pessoa que coordena o Supremo acumula o segundo cargo.
Segundo o presidente da Ajuris, já vinha sendo negociada com o ministro uma visita ao Rio Grande do Sul. A expectativa é de que ocorra ainda neste ano.
"Além de ser um dos nossos grandes constitucionalistas e um dos operadores do Direito mais importantes das últimas décadas, é uma pessoa de trato fácil, muito dedicada a questões relativas a direitos humanos. Acredito que teremos um grande presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça", afirma Flores, lembrando que a mesma pessoa que coordena o Supremo acumula o segundo cargo.
Segundo o presidente da Ajuris, já vinha sendo negociada com o ministro uma visita ao Rio Grande do Sul. A expectativa é de que ocorra ainda neste ano.
Poeta e craque do meio-campo na juventude
Muito antes de decidir o mérito de causas judiciais, Edson Fachin costumava decidir jogos de futebol. Na juventude, quando ainda não cogitava envergar a toga preta da magistratura, vestia a camisa de times de futebol pelos quais demonstrava talento tanto na armação do jogo, distribuindo passes e lançamentos, quanto atuando um pouco mais recuado — posição em que chegava a ser comparado ao ex-volante colorado Paulo Roberto Falcão.
"Começou na meia-esquerda, jogando com a camisa 10. Brilhava com a perna esquerda, era driblador, lançador. Depois, foi jogar de médio-volante, com a camisa número 5. Era elegante, tinha muita categoria. Lembrava muito o Falcão, até no jeito de andar", afiança o amigo Luiz Carlos Schroeder.
Jogou campeonatos amadores na cidade de Toledo e chegou a receber convite para treinar em clubes profissionais, mas acabou dando prioridade aos estudos e à futura carreira no Direito. Segundo Schroeder, o atual ministro também exibia talento com as letras.
"Escreveu três livros de poesia antes dos 17 anos. Era uma poesia existencialista, mas já tinha o grito de liberdade contra um regime autoritário, ainda que de forma velada, porque naquela época, em 1974, 1975, ainda havia muita prisão e tortura."
"Começou na meia-esquerda, jogando com a camisa 10. Brilhava com a perna esquerda, era driblador, lançador. Depois, foi jogar de médio-volante, com a camisa número 5. Era elegante, tinha muita categoria. Lembrava muito o Falcão, até no jeito de andar", afiança o amigo Luiz Carlos Schroeder.
Jogou campeonatos amadores na cidade de Toledo e chegou a receber convite para treinar em clubes profissionais, mas acabou dando prioridade aos estudos e à futura carreira no Direito. Segundo Schroeder, o atual ministro também exibia talento com as letras.
"Escreveu três livros de poesia antes dos 17 anos. Era uma poesia existencialista, mas já tinha o grito de liberdade contra um regime autoritário, ainda que de forma velada, porque naquela época, em 1974, 1975, ainda havia muita prisão e tortura."
Fonte e foto: GZH
Tags
Geral